quinta-feira, 27 de março de 2008

A volta da Asa Branca




Tributo a Luiz Gonzaga e aos 60 anos do baião anima os corredores da Câmara dos Deputados


por Elisa Tecles

Fotos: José Varella/CB

O ritmo familiar da sanfona e o cheiro da paçoca de pilão atraíram turistas, homens engravatados, equipes de limpeza e artistas para um mesmo corredor da Câmara dos Deputados na tarde de ontem. O som do baião diminuiu, por algumas horas, as diferenças entre os que circulam pela Casa e fez todos cantarem em coro trechos de músicas do compositor Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.

Familiares do criador do estilo que domina as trilhas das festas juninas nordestinas e de outras regiões se vestiram a caráter e lembraram duas das canções mais famosas do artista: Asa branca e Noite de São João. A primeira delas foi lançada em 1948, e está completando 60 anos. A apresentação inaugurou a mostra 60 anos de Baião — Tributo a Gonzagão, que ficará aberta no Espaço do Servidor da Câmara até sexta-feira. São capas de discos, fotos, quadros, instrumentos musicais e objetos de uso pessoal que contam a história do cantor.

Luiz Gonzaga nasceu na cidade de Exu, em Pernambuco, em 13 de dezembro de 1912, e morreu aos 77 anos, depois de ter lançado mais de 50 discos. Nas músicas, ele abordava as dificuldades enfrentadas pelos nordestinos, como a época de seca, falta de alimento e assistência à saúde, mas sempre com ritmo alegre. O conhecimento musical de Gonzagão veio do pai, o agricultor Januário, tocador de sanfona de oito baixos, e o talento foi passado para o restante da família.

Joquinha Gonzaga, sobrinho do artista, aprendeu a arte com o tio e hoje percorre o país levando o baião a outras regiões. “Ele me jogou uma sanfona no peito aos 14 anos, achou que eu tinha cara de sanfoneiro e me ensinou a tocar. Cantei nos discos dele e conheci o país acompanhando meu tio nos shows”, lembrou. Joquinha mora em Exu e costuma visitar a antiga casa do tio, que preserva móveis e objetos originais. “Você chega lá na casa e sente o cheiro do Gonzagão, é como se ele estivesse lá”, revelou Joquinha.

Reencontro

Emocionada em rever os pertences do irmão, Chiquinha Gonzaga, 82 anos, não conteve a ansiedade de cantar para o público brasiliense. “Fiquei boba de ver tanta festa em homenagem ao meu irmão. Isso me deu mais força para cantar”, comemorou. Chiquinha é vocalista do grupo Os Gonzagas, formado por quatro integrantes da família nordestina. Dois sobrinhos e um neto do homenageado completam o quarteto musical.

Entre os objetos expostos, há óculos, louça, taças, sanfonas e até um pinico usado por Gonzagão. Segundo o presidente da Fundação Vovô Januário, que administra o acervo, Reginaldo Silva, a sanfona exposta foi um dos últimos presentes dados pelo artista. “Sempre que ele conhecia um sanfoneiro com instrumento velho ou fraco, dava uma sanfona nova de presente. Essa ele me deu em dezembro de 1988”, explicou. A fundação, localizada em Exu (PE), conta com mais de 500 fotografias e 300 objetos. Além dos objetos históricos presentes na mostra, a distribuição de paçoca de pilão, feita com farinha e carne seca, deu o clima nordestino ao corredor da Câmara.

Os conterrâneos de Chiquinha e Luiz relembraram a música da terra natal, mas ninguém se atreveu a arriscar alguns passos de baião. “Sou do Recife e cresci com as músicas dele, mas essa foi a primeira vez que vejo o show. Só não deu para dançar”, comentou a auxiliar de limpeza Eronilda Melo, 53 anos, que trabalha no Congresso há 15. O músico Cacai Nunes, 29 anos, ganhou um autógrafo de Chiquinha na capa do LP Peneró Xerém, tão raro que nem mesmo a artista possui um exemplar. “Achei esse em um sebo, tenho mais de 2 mil discos em casa. Tenho os discos, mas nunca ouvi ela cantando ao vivo, vim para isso”, disse.

Acervo móvel
Depois de Brasília, a exposição segue para o estado de São Paulo, onde passará por cidades do interior durante um mês. O acervo será transportado em um caminhão, que ficará um dia em cada ponto. O projeto termina em 1º de maio, Dia do Trabalho, quando haverá um grande show na capital paulista. Na véspera do evento, será inaugurado o busto de Luiz Gonzaga, também em São Paulo. A idéia de criar a mostra veio da União Geral dos Trabalhadores (UGT), que identificou no artista um símbolo do brasileiro. “É uma campanha para enaltecer uma pessoa que fez mágica com a música. É uma homenagem à cultura brasileira e aos trabalhadores”, afirmou o presidente da UGT, Ricardo Patah

Música e resistência
O gênero musical nasceu nas festas nordestinas da década de 1940 das mãos de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. As melodias misturam o som da sanfona, triângulo e zabumba, e as letras lembram histórias do nordeste, da seca e hábitos do povo. Gonzagão nasceu na cidade de Exu, em Pernambuco, em dezembro de 1912, e aprendeu a tocar com o pai, Januário, que trabalhava na roça. Aos 8 anos, começou a tocar em shows.

Antes de completar 16 anos, ele já era conhecido em toda a região. Aos 18, se alistou no Exército, onde ficou nove anos. Depois, investiu na carreira de músico no Rio de Janeiro. Na Rádio Nacional, ele conheceu a pernambucana Helena Neves, com quem se casou em 1948. Em 1950, ganhou o título de Rei do Baião, após uma apresentação em São Paulo.

Luiz Gonzaga faleceu em 2 de agosto de 1989, no Recife. A casa onde ele viveu em Exu é mantida por familiares e ainda abriga boa parte dos pertences do artista, como os móveis do quarto onde ele dormia e o fogão de lenha. Um viveiro de asas-brancas também é cultivado no local em memória do compositor. A ave é símbolo da migração nordestina porque deixa as áreas secas e busca uma vida melhor. Ela representa, resistência, esperança, tristeza e solidão. (ET)

matéria publicada no Correio Braziliense, no dia 26/03/08

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