Sobre o forró

Você sabe a origem do nome forró? Sabe como ele chegou ao Sudeste? E suas variações? Descubra aqui.
[Assista ao filme Por Amor ao Forró:  http://forropedeserradf.blogspot.com/2010/10/por-amor-ao-forro-esta-no-ar.html]

(Este texto foi escrito por Adriana Caitano e Galton Sé e faz parte do Trabalho de Conclusão de Curso de ambos (Universidade de Brasília, 2008). Proibida a reprodução de qualquer trecho sem a prévia autorização dos autores).


Leia primeiro:
Quando eu e o Galton fomos fazer a pesquisa para o filme Por Amor ao Forró, tivemos muita dificuldade em achar uma bibliografia completa, dados confiáveis que contassem a história do forró. Por normas acadêmicas, tínhamos que fazer uma pequena monografia sobre o tema e, para isso, utilizamos os poucos livros e as muitas entrevistas que fizemos para compor um texto que reunisse todas as nossas impressões. O trecho abaixo era a introdução do trabalho escrito. Só agora, dois anos depois, resolvi colocá-lo no blog. Minhas impressões de lá pra cá certamente mudaram, mas eu resolvi não mexer no texto. Concordem ou não, ele é resultado de muita pesquisa, leitura e observação. E, antes que alguém diga algo, na maior parte dele nos referimos a algo que determinado grupo diz ou acredita. Prestando bastante atenção nisso, leia a história que escrevemos com muito carinho em 2008.

Conheça a história do forró pé-de-serra


A origem do nome forró não possui uma definição exata e ainda hoje divide-se entre a versão acadêmica, baseada nas transformações etnológicas, e as histórias contadas pelo povo nordestino. Segundo relatos populares, a palavra veio de uma forma abrasileirada de se pronunciar o termo inglês For All, que significa “para todos”. Esse seria o nome dado a festas feitas por engenheiros britânicos no início do século XX, que estavam em Pernambuco para construir a ferrovia Great Western. Há quem diga que os promotores das festas eram oficiais americanos durante a Segunda Guerra Mundial, em Natal. Os eventos eram abertos a toda a população, por isso o nome.

No entanto, o fato de a palavra forró já ter sido citada em canções antes de qualquer dos dois acontecimentos (a construção da ferrovia e a guerra) desacredita a história mirabolante. A versão mais aceita, portanto, é a do folclorista Luís da Câmara Cascudo, em seu Dicionário do Folclore Brasileiro (2001). Na obra, ele definiu o verbete forró como sendo descendente da expressão forrobodó, vinda da linguagem africana. O termo designava festas animadas populares, no caso do Nordeste, as animadas por sanfona (ou acordeon). As músicas lá tocadas eram o xaxado, o xote, o coco, entre outras. Com o tempo, a palavra forrobodó foi abreviada para forró e passou a nomear o estilo musical que se tocava nessas festas como um todo.

“A palavra ‘forró’, segundo a época em que é empregada, não tem exatamente o mesmo significado. Da mesma forma que a palavra ‘samba’, a palavra ‘forró’ foi evoluindo no decorrer do século. Até os anos 50, forró significa ‘baile’; depois passa a designar o conjunto da música do Nordeste. Hoje em dia, forró é gênero musical. Nordestino, claro”.
(DREYFUS, Dominique. Vida do Viajante: A Saga de Luiz Gonzaga. 1996, p. 198)

Já  nos anos 40, o sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga criou o baião, que mais tarde também foi incorporado a tudo o que se passou a chamar de forró. Naquele tempo, Gonzaga reuniu os sons e os costumes que conheceu quando criança no Nordeste e traduziu-os para uma linguagem acessível para a população do Centro-Sul do país. Desde que o termo forró passou a designar um gênero musical, o próprio Luiz Gonzaga começou a chamar de “forró pé-de-serra” o tipo de música que ele e alguns de seus seguidores faziam. O termo é uma referência as suas origens, pois ele havia nascido no município de Exu, que fica no pé da serra do Araripe, em Pernambuco. Era lá que o Rei do Baião ouvia os vários ritmos que originaram o chamado forró posteriormente. Esse termo mais tarde também seria usado para designar um movimento moderno e diferenciá-lo das demais derivações do forró.

Quando Gonzaga propagou os sons nordestinos aos outros cantos do País, foi aclamado e recebeu o título de Rei do Baião. Daquela época em diante, diversos trios ganharam espaço nas gravadoras e na mídia, com a formação básica de triângulo, zabumba e sanfona, fixada também por Luiz Gonzaga. Durante cerca de 10 anos, o ritmo nordestino era moda bem vista até na alta sociedade.

“Gonzaga botou as dondocas cariocas para dançar a dança rude dos cangaceiros, dança de homem macho. Nas moitas da caatinga do sertão, (...) os homens dançavam abraçados ao fuzil, ou a sós, e batiam o pé calçado de sandálias de couro no pó do chão... Nos salões do Rio, as moças batiam o pé calçado de sandálias finas de salto alto e rebolavam o bumbum, numa alegria cheia de exotismo”

(DREYFUS, Dominique. Vida do Viajante: A Saga de Luiz Gonzaga. 1996, p. 140)

No entanto, por volta dos anos 60, com a nova onda de bossa nova, jovem guarda e rock ‘n roll, o forró ficou de lado. “Na hora em que a mídia se desinteressou de Luiz Gonzaga, a classe média se desligou do baião e Luiz Gonzaga ficou marginalizado” (idem. p. 208). Ou seja, forró e seus derivados adquiriram o estereótipo de que seriam dirigidos às classes de menor renda, principalmente do Nordeste, e aos mais velhos. “Na rua, quem andasse com sanfona a tiracolo era motivo de gozação. Na época, mais valia trocar o acordeon por um órgão” (ibidem. p. 229).

Esse ostracismo durou quase 20 anos, mas, nos anos 80, Luiz Gonzaga deu a volta por cima e reafirmou seu nome como um dos mais importantes da música brasileira. Diversos jovens artistas da época passaram a copiá-lo e a recriar sua obra, adaptando o que ele havia feito às novidades daquela geração. É o caso de Alceu Valença e Geraldo Azevedo, por exemplo, que acrescentaram influências do rock e da chamada MPB ao ritmo nordestino.

Ainda assim, a noção de forró, aquele original, como coisa de “pobre e velho” (de forma pejorativa) perdurou por muitos anos, até que, nos anos 90, um grupo de jovens de classe média de São Paulo resolveu misturar tudo um pouco mais e criou o chamado “forró universitário”. Não há um consenso entre os próprios seguidores do estilo sobre as reais diferenças entre ele e o ritmo tradicional. Para os que encabeçaram a onda universitária, a música tocada era a mesma utilizada por Luiz Gonzaga, inclusive os instrumentos, que também fizeram parte de algumas apresentações do Rei do Baião. Para os adeptos do estilo mais purista, o universitário era uma adaptação infiel do autêntico forró, pois acrescentou a ele aspectos do pop-rock e do reggae.

Parte dessas pessoas também acredita que o termo ‘universitário’ foi usado somente para se maquiar a imagem que se tinha do forró de um lugar perigoso e com pessoas “pobres e velhas”. Dizer que era universitário poderia atrair a atenção dos mais preconceituosos e ganhar espaço na mídia, como realmente aconteceu. Pela simples observação imparcial, é possível identificar que o chamado forró universitário era uma versão mais leve, romântica e moderna do tradicional som nordestino. Enquanto o estilo mais antigo costumava falar das agruras da seca e da vida triste e miserável em que vivia o povo do Sertão nordestino, o estilo moderno falava das relações da cidade, da juventude, de alegria. Um dos maiores nomes desse novo movimento foi a banda Falamansa, de São Paulo.

“Ha-ha-ha-ha-ha, mas eu tô rindo à toa
Não que a vida esteja assim tão boa,
Mas o sorriso ajuda a melhorar.”
Xote da Alegria – Falamansa 

Nesse momento, o termo “forró pé-de-serra” ganhou força para diferenciá-lo do universitário e do eletrônico, surgido já nos anos 2000. Este estilo (o eletrônico) é uma renovação dos ritmos antes conhecidos como brega e calypso, também do Nordeste. Suas letras tratam de temas como paixão, sedução e sexo, de maneira mais explícita e objetiva, se comparadas às do forró pé-de-serra e do universitário. Em sua formação, há sanfona, sax, baixo, guitarra, bateria e teclado, enquanto no forró tradicional predomina a formação básica de triângulo, sanfona e zabumba. O timbre de voz dos vocalistas também costuma ser mais agudo e estridente que do pé-de-serra e, na maioria dos casos, há dançarinos no palco com roupas coloridas e sensuais.

Para a maioria dos seguidores do forró pé-de-serra, é um equívoco chamar esse estilo eletrônico de forró, já que não há semelhanças suficientes entre ambos. Muitos defendem tratar-se mais de uma lambada que se apropriou da marca forró para ganhar audiência. Alguns ainda chegam a chamá-lo de “forró de plástico”. É importante ressaltar, no entanto, que o pé-de-serra também tem uma vertente mais voltada para apelos sexuais e músicas de duplo sentido, conhecido como “forró malícia”.
“O rádio que eu dei pra ela,
ela doou pra alguém 
Mas ela deu o rádio,  
ela deu o rádio e nem me disse nada,
ela deu o rádio  
ela deu sim, foi pra fazer pirraça,
mas ela deu de graça,  
o rádio que eu comprei,
e lhe presenteei” 
Radinho de Pilha – Genival Lacerda 

Já  no final dos anos 90 e início dos anos 2000, recusando-se a aderir à nova moda, grupos de jovens de todo o País começaram a resgatar as raízes do forró pé-de-serra. Não só formaram novos trios, como passaram a valorizar aqueles que resistiam com o tempo, como o Trio Nordestino, criado em 1957 tendo Dominguinhos como sanfoneiro, e Marinês e sua Gente, criado na mesma época. Os DJs dessa geração 2000 foram ao fundo do baú, encontraram gravações em vinil de clássicos do tradicional forró nordestino e ainda hoje os utilizam para tocar nas festas e nos forrós pelo País.

Com o tempo, a busca pelas raízes virou uma paixão, um vício, que contagiou a milhares de jovens brasileiros, principalmente os de classe média, que um dia menosprezaram o ritmo nordestino. Juntos, eles começaram a organizar festivais, encontros e tornaram-se uma verdadeira família sem fronteiras, como eles mesmos dizem. Durante o ano, os forrozeiros, como são chamados, participam de pelo menos quatro grandes eventos espalhados pelo Brasil, onde são reunidos os maiores ídolos desta e de outras gerações. Eles têm o hábito de pesquisar pela internet a história e as músicas dos mais antigos. Alguns chegaram a criar sites em que reúnem essas informações e disponibilizam-nas aos demais. É o caso do Forró em Vinil e o Brasil em Vinil, nos quais é possível encontrar gravações feitas em vinil da época em que a maioria desses forrozeiros nem era nascida.

Entre os grupos que levam à frente a tradição, estão jovens a partir de 15 anos que, mesmo tão novos, continuam valorizando o ritmo surgido em 1940. Um exemplo é a vocalista do Trio Juriti (Sergipe), Thaís. Cantora desde os 10 anos, ela traz um timbre próximo ao de Marinês, a grande Rainha do Xaxado (morta em 2007) e um repertório baseado nos sucessos de ontem e hoje. Mas há também aqueles que fizeram parte da história dessas duas fases do forró e o mantêm ao lado dos jovens atuais. É o caso do cantor e trianguleiro Mestre Zinho, 65 anos, que chegou a tocar com Luiz Gonzaga e recebeu do próprio, pouco antes de seu falecimento, o título de “o maior cantor de forró vivo”, depois dele, é claro. Zinho é tido por esses jovens como um mito, praticamente.

A febre forrozeira nos anos 2000 também teve seus altos e baixos, mas persiste com força suficiente para lotar as casas de forró e os festivais das grandes capitais. Em Brasília, por exemplo, há pelo menos sete opções durante a semana para o público forrozeiro dançar e assistir aos shows. E muitas pessoas chegam a ir todos os dias, somente, como eles dizem, “por amor ao forró”. O mesmo acontece em São Paulo e Vitória (ES), por exemplo.

“Já cantei, já sofri, já chorei
Tudo só por amor ao forró”
Por Amor ao Forró – Pinto do Acordeon 

O estado capixaba, aliás, comporta o maior encontro de forró pé-de-serra do Brasil, o Festival Nacional de Forró de Itaúnas (Fenfit), existente desde 2000. O evento acontece no mês de julho, costuma durar quase 10 dias e já foi responsável pela revelação de diversos trios dessa nova geração, como o Trio Juriti.  O Fenfit é também o ponto de convergência entre os forrozeiros de todo o País, músicos, produtores, fãs e dançarinos, que trocam experiências e criam inúmeros laços de amizade. Eles enfrentam várias horas de ônibus ou de carro para passar 10 dias, 24 horas por dia, ouvindo, dançando, cantando e tocando forró.

      “Eu já andei sem parar 17 légua e meia
                             Pra ir no forró dançar...”
17 Légua e Meia - Carlos Barroso e Humberto Teixeira  

Os laços de amizade criados ligam também uma filosofia de vida comum aos adeptos do pé-de-serra. No geral, são pessoas alegres, que dificilmente alimentam preconceitos internos referentes a raça e classe social e que cultivam a paz. Aliás, a característica mais citada pelos forrozeiros em relação ao ambiente do forró é “um lugar que não tem briga”. Assim, eles criam uma verdadeira rede de relacionamento em que todos se conhecem e, mesmo morando longe, mantêm contato freqüente. Essa mistura de origens também proporciona um intercâmbio de cultura e linguagem, que se reflete até na dança.

Apesar de envolver adeptos de todo o Sudeste, parte do Centro-Oeste, Sul e Nordeste do Brasil, esse movimento não tem visibilidade junto ao grande público brasileiro, que muitas vezes nem sabe que esse tipo de forró ainda existe, muito menos na voz e no coração dos jovens dos grandes centros urbanos. (...)

“A minha vida é andar por este país
pra ver se um dia eu descanso feliz
guardando as recordações
das terras onde passei,
andando pelos sertões
e dos amigos que lá deixei...”
A Vida do Viajante, Luiz Gonzaga